Da importância da manutenção da jornada de trabalho em níveis razoáveis

29 de setembro 2014
Por Luiz Eduardo Barbieri Bedendo
Mais trabalho e menor salário, menos trabalho e maior salário, sempre constituíram o antagonismo raiz dos conflitos entre quem necessita de mão de obra e quem trabalha por remuneração.
O ato de trabalhar determina a identidade do sujeito que o exerce, revelando-se, para a maior parte dos indivíduos, como única forma de manutenção e sobrevivência. Embora a constatação possa ser questionada, seria insensato negar a afirmação de que o trabalho exercido (e a falta dele) posiciona e qualifica o indivíduo em seu meio social. A possibilidade de escolha do trabalho, segundo aptidões e preferências pessoais, já é faculdade reservada a uma pequena parcela da sociedade. Já a opção por trabalhar, ou não, então, somente deixa de ser uma fantasia para uma restrita elite.
Inobstante a divergência de opiniões acerca do valor do trabalho e sua a relevância como elemento identificador do sujeito, o fato é que ele é uma necessidade inevitável para a maioria das pessoas. E nesse contexto, merece especial destaque o tema “jornada de trabalho”, pois o tempo destinado ao labor determinará o grau de desgaste físico e psíquico inerente a cada atividade, além de, por óbvio, definir o tempo restante que o sujeito disporá para suas demais atividades (lazer, atividades culturais, religiosas, familiares, etc).
A legislação brasileira adotou uma estrutura para a regulação da jornada de trabalho que observa, como regra, o contido no art. 7º, inciso XIII, da Constituição Federal (8 horas diárias e 44 semanais). Tal regra encontra-se albergada, também, na CLT, precisamente em seu art. 58 e seguintes. Embora seja a jornada de trabalho observada para a maioria das profissões, a norma constitucional que fixa a jornada de trabalho ordinária, por ser de natureza programática, permite previsões legais que determinem jornada inferior para profissões cujas condições de trabalho são especialmente mais desgastantes ao trabalhador.
De fato os referidos diplomas (CF e CLT), conquanto fixem limites de jornada para as diferentes atividades profissionais, também preveem a possibilidade do extrapolamento da jornada de trabalho, desde que em caráter eventual, sendo a hora extraordinária remunerada com adicional de 50% sobre o valor da hora de trabalho ordinária.
Ocorre que, em um país como o nosso, no qual a remuneração média do trabalhador é defasada - seja por conta do valor real da remuneração, seja pela inflação, que eleva o custo dos produtos e serviços que consumimos – o trabalho extraordinário se torna um círculo vicioso mais evidente, já que é autorizado mediante simples troca do desgaste pela compensação pecuniária.
Por um lado, a inexistência de regra mais rígida quanto à limitação da jornada, aliada à possibilidade de dispensa imotivada, inerente ao seu poder potestativo (que não permite contestação), facilita ao empregador, sempre que entender necessário, exigir serviço suplementar de seus empregados. Por outro, a remuneração adicional estimula os empregados mal pagos à aceitação do excesso de jornada, pela perspectiva de melhora na remuneração mensal. Logo, a regra compensatória para o extrapolamento do limite diário do trabalho (remuneração adicional) acaba estimulando a renúncia, pelo trabalhador, do próprio direito constitucional à limitação de jornada. E tal situação é prejudicial ao trabalhador.
Sempre haverá quem defenda que a flexibilização da jornada de trabalho (vulgo extrapolamento) é benéfica ao trabalhador, sob argumento de que a melhor utilização (vulgo exploração) da mão-de-obra pelo empregador o permitirá reduzir seus custos, otimizar a produção, possibilitando a melhor condição de divisão dos lucros. Contudo, é preciso sempre ter em vista que continuará com o empregador a decisão de dividir ou não os benefícios gerados pela redução do custo da mão-de-obra e investir em aumento de produção e oferecimento de novos empregos. E o objetivo do empregador em maximizar o lucro, seja ele atingido em maior ou menor proporção, jamais andou de mãos dadas com o objetivo de melhorar ou, ao menos, manter a qualidade de vida de seus empregados.
Se não bastasse, ainda subsiste o argumento de que se não houver redução do custo da mão-de-obra as empresas podem não se tornar suficientemente competitivas, podendo vir a falência, gerando mais desemprego. A afirmação, no entanto, soa mais como ameaça do que uma realidade efetivamente demonstrável e aceitável.
Ora, tudo passa a ser justificável a partir da ameaça do desemprego. A precarização das condições de trabalho, como é o caso da flexibilização (extrapolamento) de jornada, passa a ser o mal menor, o preço social a ser pago para remediação do problema do desemprego. Sabiamente já advertira Márcio Túlio Viana: “não faz sentido precarizar a relação de emprego a pretexto de combater o desemprego: é como abrir leitos nos hospitais matando os doentes”.
Nesse sentido, o tempo destinado ao trabalho, além de interessar aos contratantes da relação de emprego (pois precisa de limitação, ante o desgaste e os malefícios decorrentes da prestação de trabalho além de oito horas diárias, limite sustentado internacionalmente por relevantes fundamentos biológicos e sociais), interessa a toda sociedade, pela sua condição determinante sobre o total de trabalho disponível.
* O autor é Bacharel em Direito e atua junto à Advocacia Scalassara, que presta assessoria jurídica ao Sindicato de Londrina